As vezes penso que irei acordar,
e tudo não passou de um sonho ruim.
Demorei um bom tempo até reunir coragem para começar a juntar minhas memórias e começar a escrever. Cada noite era uma batalha contra o caderno em branco que repousava sobre a minha mesa de cabeceira. Eu o encarava antes de dormir com os olhos fixos no título que já havia escrito em sua capa, mas sempre adiava o começo da escrita para o dia seguinte.
Não desejava reabrir as feridas que o tempo tentava cicatrizar, muito menos rememorar todos os momentos bons e ruins que compartilhamos. Sabia que tais lembranças nunca mais se repetiriam, e já não havia sentido em reviver a dor por algo que um dia foi tão significativo.
Perdi toda a inocência, paixão, amor e cumplicidade que um dia nos uniram. Em seu lugar, restou a dúvida cruel se tudo que vivenciei foi verdadeiro ou apenas mais uma ilusão criada por alguém que desejava desesperadamente provar que eu era a escolha certa. O "te amo para sempre" perde todo o sentido quando não se recebe nem um último "adeus"."
Capitulo 1
“Salvadora”
Realmente demorei muito para começar este livro, e ainda mais para escolher um título adequado. Mas de alguma forma, sentia uma necessidade urgente de expressar todas as palavras e sentimentos que estavam guardados dentro de mim, mesmo que isso significasse escrever em um caderno barato comprado em um armarinho do bairro.
Não tenho a pretensão de que este livro chegue a alguém, nem de que sirva como lição para algo, ou qualquer coisa do tipo. Simplesmente precisava liberar tudo o que estava entalado na minha garganta, mesmo que permaneça aqui, estático e esquecido, pelo tempo que for necessário. Mas quem sabe um dia alguém o encontre perdido entre caixas e coisas antigas.
Então, aqui vamos nós para mais uma 'história de amor', e como em qualquer conto desse tipo, já temos uma ideia do que está por vir. Paixão avassaladora, brigas intensas, momentos felizes, separações dolorosas, reconciliações emocionantes e, é claro, a traição, tão comum em muitos romances e filmes por aí. No entanto, na vida real, as coisas são bem diferentes do que nos contos literários ou nas produções hollywoodianas.
Em uma dessas noites, enquanto conversava sobre o término do meu relacionamento com um amigo, chegamos à conclusão de que seríamos muito mais felizes se não precisássemos nos relacionar e criar vínculos com as pessoas. Afinal, é justamente a afetividade e os sentimentos, que acabam gerando um ciclo vicioso. No final das contas, tudo se resume a uma dolorosa abstinência, acompanhada de sentimentos de raiva, mágoa e uma infinidade de perguntas sem respostas.
É difícil ficar sozinho, mas é muito mais difícil amar as pessoas, e essa é a grande armadilha da vida. Precisamos das pessoas, mas essa necessidade dosada erradamente pode nos destruir.
Quando nos importamos com alguém, esse sentimento nos domina por completo. E, no final das contas, quem pode garantir se essa pessoa é realmente quem pensávamos que fosse, ou se sequer é autêntica? Então, por que nos envolvemos em relacionamentos, conhecendo os potenciais efeitos colaterais desse "vício"?
Eu sei que pode parecer um pensamento egoísta, uma reflexão clássica quando de quando levamos um pé na bunda.
Há quase exatos sete anos, inicie uma história com uma pessoa, e que naquele momento pensava exatamente como hoje. Pois tinha acabado de sair de um outro relacionamento conturbado que envolveu traição entre outras coisas do tipo. Eu não queria me envolver com ninguém no momento, e mesmo assim acabava me relacionando casualmente com algumas mulheres. Mas sempre deixando claro a elas, que seria apenas algo casual e que não pretendia algo sério com ninguém. E mesmo sendo transparente e totalmente honesto com elas, algumas ainda sim se sentiam usadas, e diziam que eu era isso e aquilo, e que não queria nada sério com elas. Era totalmente o oposto, mas o grande problema em questão eram as pessoas entrarem em um jogo, e no meio do jogo querer mudar as regras. Mas essas novas regras não eram explicitas, e sim apenas na contextualização delas mesmas, mas enfim, esse é um tema que não vem ao caso ser abordado aqui.
Em uma noite normal em casa, pulando de abas em abas navegando nas redes sociais, um rosto de uma menina interessante surgir para mim como sugestão de amizade. Não sei bem ao certo que me chamou atenção, era uma menina com um rosto bem comum, cabelos longos e escuros e de olhos verdes. De repente foram seus olhos que me cativaram. Eu não lembro muito bem dos detalhes, mas acabei enviando uma solicitação de amizade e dias depois envie uma mensagem convidando-a para o evento rock no qual eu produzia em minha cidade naquela época.
Algumas noites depois, fui surpreendido por uma resposta à minha mensagem. Foi uma simples notificação no celular. A partir daquele momento, começamos a estabelecer um contato regular. O que inicialmente era uma troca esporádica de mensagens se transformou em uma conversa diária e constante. Falávamos sobre tudo: filmes, livros, sonhos e frustrações. Havia uma conexão crescente entre nós, algo que eu não podia negar.
No entanto, havia um grande obstáculo que impedia que eu expressasse abertamente meus sentimentos: ela era comprometida. Este fato era uma barreira significativa que me fazia hesitar em demonstrar meu interesse de forma mais direta. Sabia que qualquer passo em falso poderia causar complicações e, possivelmente, dor para todos os envolvidos.
Apesar disso, continuávamos a trocar mensagens, e a frequência dessas conversas só aumentava. Cada notificação do celular animava ainda mais o meu dia. Nossas trocas se tornaram um ritual, uma constante em meio à rotina diária. Com o tempo, nossas conversas se aprofundaram, tocando em temas mais pessoais e íntimos. Essa crescente intimidade me trazia alegria, mas também uma dor silenciosa, pois sabia que havia limites que não podia ultrapassar.
Lembro de uma certa noite, já meio tarde, quando trocávamos mensagens. Ela estava em um evento de rock onde a banda do namorado se apresentava. Nessa conversa, ela me confidenciou que estava se sentindo deixada de lado. Enquanto ele se concentrava nos amigos e na apresentação, ela se sentia ignorada e desconfortável. A frustração era evidente em suas palavras, e eu pude perceber o quanto aquilo a afetava.
Naquela mesma noite, ela pediu para que eu não mandasse mensagens em certos momentos. Disse que quando pudesse, retornaria a mensagem. Eu respeitei seu pedido, entendendo que ela precisava de espaço. No entanto, também percebi que essa solicitação era uma “deixa” para que algo mais pudesse acontecer entre nós. O fato de estarmos conversando já era algo sigiloso para ela, e isso me fez perceber que o “errado” já estava acontecendo da parte dela.
Após esse episódio, decidi investigar um pouco mais para entender até que ponto aquilo poderia ir. Afinal, eu era solteiro e não tinha muito a perder - no máximo, poderia acabar enfrentando algum tipo de confronto. Então, comecei a tratá-la de maneira diferente, elogiando-a mais, demonstrando um interesse maior e deixando claro que tinha vontade de ficar com ela. Aos poucos, percebi que essa abordagem estava sendo muito bem recebida e correspondida por ela.
Com a chegada do Carnaval, surgiu uma oportunidade e um motivo para ela ir um pouco além, rompendo de vez a barreira entre o certo e o errado. Ela mencionou que estava muito chateada com o namorado, pois ele havia ido para o Centro do Rio curtir os blocos de carnaval com os amigos, deixando-a de lado (se isso era verdade ou não, nunca soube ao certo). Naquele momento, vi a oportunidade de nos encontrarmos pela primeira vez e perguntei se ela gostaria de fazer algo juntos, sair para comer ou qualquer outra atividade que pudesse ser considerada um "primeiro encontro".
Ela acabou aceitando, e marcamos de nos encontrar à noite em uma rua próxima à casa dela. Pontualmente, cheguei ao local de moto naquela noite ("A Salvadora"). Nos cumprimentamos e ela subiu na garupa da minha moto. Rodamos pelo centro da cidade em busca de algum lugar para sentar, beber ou comer, mas como já estava tarde, a maioria dos bares estava fechada ou lotada. Sugerir, então, ir para minha casa, que ficava próxima ao centro, parecia a melhor opção, já que teoricamente morávamos a apenas 5 minutos um do outro.
Naquela noite, conversamos bastante, ouvimos muitas músicas, já que ela tinha um gosto musical parecido com o meu, e bebemos bastante também. Isso nos deixou mais soltos, e eu tomei a iniciativa de roubar o primeiro beijo. Foi nesse momento que ela se entregou, e passamos uma noite maravilhosamente prazerosa, onde pude sentir todo o seu corpo, suas curvas, sua respiração e seu calor.
Na manhã seguinte, não conseguia conter a felicidade e empolgação. Tomamos café juntos, conversamos um pouco mais e, em seguida, levei-a de volta à praça onde a havia buscado na noite anterior. Durante o resto do dia, trocamos mensagens, relembrando como a experiência havia sido ótima para ambos e discutindo a possibilidade de nos encontrarmos novamente. No entanto, sempre nos deparávamos com o "problema" de ela ser comprometida.
Ela mantinha a narrativa de que estava insatisfeita com o relacionamento e afirmava que terminaria em breve. Esse "breve" acabou se estendendo por mais algumas semanas, até que ela viajou para o nordeste do país. Durante esse período, continuamos em contato constante, trocando mensagens, fotos e até nudes. Cerca de uma semana depois, ela voltou da viagem determinada a terminar com ele. Disse que iria se encontrar com ele para uma conversa definitiva e colocar um ponto final no relacionamento.
E assim foi. Alguns dias depois, marcamos de nos encontrar novamente, desta vez sem preocupações, pois ambos estávamos solteiros. Naquele fim de semana, haveria uma festa típica em nossa cidade, e decidimos nos encontrar lá. Apesar de estar solteira, ela ainda se preocupava em não demonstrar afeto em público, pois como o término era recente, temia que algum conhecido nos visse. Afinal, ela queria manter a imagem de boa moça. Durante a festa, nos divertimos bastante. A música, as luzes e a energia do evento nos envolviam, mas mantínhamos uma certa distância quando estávamos em áreas mais movimentadas. Nos momentos mais discretos, trocávamos olhares e toques rápidos, aproveitando a adrenalina de estar juntos sem precisar esconder nossos sentimentos.
No final de semana seguinte, eu estava em um evento em um Pub Rock aqui na cidade. Como já era de costume, eu sempre frequentava esses eventos para conhecer novas bandas e, quem sabe, incluí-las em meus próprios projetos musicais. Naquela época, eu trabalhava como freelance, atuando como designer gráfico e também como produtor de eventos de rock na cidade.
O pub estava lotado, com as luzes piscando em sincronia com a batida pesada da música. O cheiro de cerveja e suor permeava o ar, enquanto as pessoas se agitavam ao ritmo das guitarras distorcidas. Eu circulava pelo local, observando a performance da banda no palco, tentando avaliar se eles tinham potencial para os meus eventos.
Mais ou menos no meio do evento, já cansado e desanimado, decidi que era hora de ir para casa. O barulho constante e a energia caótica já estavam começando a me irritar. Saindo do pub, dei de cara com o ex dela, que estava entrando abraçado com uma garota. Ele parecia completamente alheio ao meu olhar, rindo e feliz da vida, provavelmente ansioso para curtir a noite, beber e aproveitar a companhia da moça. Ah, um detalhe muito importante: o ex dela não me conhecia, e acredito que nunca soube do que aconteceu entre mim e ela.
Chegando em casa, ainda intrigado pelo encontro inesperado, mencionei a ela o fato de ter visto seu ex com outra menina no pub. Sua reação foi imediata e intensa. Ela ficou muito irritada e puta da vida com o ocorrido. Eu podia sentir sua raiva pulsando através das mensagens que trocávamos. Ela mencionou que queria ir até lá e ver com seus próprios olhos. Ofereci-me para levá-la ao pub, mas ela insistiu em ir sozinha.
Determinada, ela chamou um táxi e partiu para o pub com uma câmera fotográfica na mão. Sua desculpa para entrar era fotografar a banda no palco. Com essa estratégia, ela conseguiu acesso ao local e pôde ver com seus próprios olhos o ex com a tal garota. Ela ainda fez questão que ele a visse lá, testemunhando tudo.
Naquele dia, eu não entendi o real motivo de toda aquela irritação e do esforço que ela fez em sair tarde da noite de casa apenas para ver o ex com outra. Mas, com o tempo, essas peças se encaixaram, revelando a verdadeira mensagem que estava nas entrelinhas.
Assim foram passando os dias e algumas semanas. Nos comunicávamos principalmente por mensagens e ligações, e sempre que possível, tentávamos nos encontrar. No entanto, fazíamos questão de manter a discrição para preservar a imagem dela e evitar possíveis fofocas.
Em um certo domingo, acordei com uma mensagem dela pedindo para que a ligasse o mais rápido possível. Imediatamente, peguei o telefone e liguei para ela. Sua voz estava trêmula, e as palavras saíam desconexas, mas logo compreendi a gravidade do que ela estava dizendo: haviam assassinado o ex-namorado na noite anterior.
A princípio, pensei que fosse uma brincadeira ou uma pegadinha de mau gosto, mas o tom de desespero em sua voz logo me convenceu de que ela estava falando sério. Aquela situação, que já era complicada desde o início, havia se tornado ainda mais atípica e perigosa. Como o término do relacionamento deles era recente, ela ainda era vista nas redes sociais como a “namoradinha” dele. Justamente por isso, decidi me afastar dela e da confusão que se instaurara. Imagine se alguém descobrisse sobre nossa relação; eu seria o principal suspeito do crime.
Eu pedi para que ela não se envolvesse mais na situação, já que como ex-namorada, ela não tinha mais nada a ver com aquilo. No entanto, ela fez exatamente o contrário. Sua obsessão e curiosidade a levaram até a cena do crime, onde ela queria ver com seus próprios olhos o ex-namorado morto em sua própria cama. A imagem era macabra, e o fato de que ela, que normalmente desmaiaria ao ver um simples corte no dedo, tenha suportado aquilo, era perturbador.
Essa sequência de eventos, somada ao estresse e ao medo de sermos descobertos, acabou nos afastando. A relação, que já começara com bases frágeis e erradas, estava agora desmoronando sob o peso da desconfiança e da culpa e a cada dia, a distância entre nós só aumentava.
Nesse meio tempo, como em alguns filmes de terror, uma figura do passado ressurgiu: minha ex-namorada. Como todos sabem, esses retornos inesperados acontecem quando menos esperamos. Embora eu já tivesse me desligado emocionalmente dela, sua reaparição foi uma tentativa clara de ver se ainda tinha algum controle sobre mim. E, de certo modo, eu acabei cedendo um pouco. Lá no fundo, quase morto, ainda havia um último suspiro de sentimento por ela.
Mesmo me reaproximando da minha ex, percebi que realmente não fazia mais sentido perder tempo com ela. Aquela tentativa de resgatar algo do passado só serviu para reforçar que o que tínhamos não era mais viável. Essa reaproximação forçada apenas ressaltou o quanto eu havia mudado e o quanto a vida havia seguido em frente, me fazendo perceber que era hora de deixar o passado definitivamente para trás.
E isso também foi mais do que o suficiente para a garota no qual eu estava me relacionando, querer cortar qualquer tipo de vinculo comigo. E como ela soube disso? Eu mesmo contei. Ela achou melhor me “deixar” seguir com a minha ex, mesmo eu explicando e dizendo que não tinha mais nada, que não teria nenhuma reconciliação ou coisa do tipo. E mais uma vez eu vi a mesma situação surgindo relacionado a baixa estima dela. Assim como ela fez com o ex e ir até o pub, estava fazendo ali comigo. E tudo isso foi mais que o suficiente para cortarmos nossa “relação” e cada um seguir a sua vida por caminhos diferentes...
Salvadora
Fui em busca da felicidade.
Mas acabei me perdendo no caminho.
Muitos apontavam o caminho da ilusão.
Outros o da mentira.
E um ou outro o da ganancia, ódio e inveja.
Então decidi seguir sozinho.
Apenas apontando a direção em que meu coração mandava.
Não perdendo a fé, o caráter e todas minhas virtudes.
Muitas noites em claro, muitos choros.
Um vazio e quase desistindo da tal “felicidade”.
Até chegar naquela praça.
Praça essa que encontraria a minha salvadora.
E em minha garupa ela subiu e disse “vamos”.
Não perguntei a ela se o caminho era o certo ou o errado.
Pois sabia que naquele instante.
Que caminho nenhum mais importava.
Pois a felicidade já tinha embarcado comigo naquela praça.
“Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, factos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.”
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